Dia da Consciência Negra
Este ano, como faz sempre, a professora de História Eunice, da escola em que trabalho à tarde, CEF 102 Norte, preparou com cuidado uma festa para o Dia da Consciência Negra, homenageando as famílias negras da escola. O tema é "Qual é sua história?" Como parte da comemoração, algumas famílias foram entrevistadas. Os textos que resultaram dessas entrevistas e alguns trabalhos poéticos dos alunos resultaram num lindo livro, que foi lançado durante o evento comemorativo em 20 de novembro. Foi-me pedido que preparasse um texto, representando os professores. Publico no final do post o texto que preparei.
Foram registradas fotos dos alunos, com roupas que lembram as profissões que desejam exercer no futuro, símbolo dos sonhos que se tornarão possíveis através da educação.
A festa iniciou com um filme sobre a história da resistência negra no Brasil, falando sobre vários heróis negros, com narração de alunos da escola.
Seguem as imagens da festa, que teve sarau com música, dança, poesia. A festa terminou com uma oficina de dança, liderada por um grupo de profissionais.
Foram registradas fotos dos alunos, com roupas que lembram as profissões que desejam exercer no futuro, símbolo dos sonhos que se tornarão possíveis através da educação.
A festa iniciou com um filme sobre a história da resistência negra no Brasil, falando sobre vários heróis negros, com narração de alunos da escola.
Seguem as imagens da festa, que teve sarau com música, dança, poesia. A festa terminou com uma oficina de dança, liderada por um grupo de profissionais.
Os Silvas
Quando eu era criança, no sótão da minha
casa, em Porto Alegre, havia alguns
baús. Achava-os misteriosos. Depois descobri que eram usados para levar a
bagagem em viagens de navio.
Minha mãe lembrava de uma viagem
assim para o Rio de Janeiro. Foi uma das
únicas viagens que fez para outro estado. Estava na companhia dos pais e da
irmã e ficaram dois meses na casa de uma amiga. As viagens eram demoradas e
então permaneciam mais tempo no destino.
Os baús, já na minha infância,
continham alguns objetos antigos, entre os quais uma pequena maleta com
fotografias. Ali estavam as fotos de meus avós maternos. Fiquei sabendo então,
enquanto via as fotografias, que o avô
viera do nordeste, de Aracaju, imaginei que viera de navio. Casara com minha
avó, que morava conosco nessa época. Ela aparecia muito bonita, de coque e
vestido comprido naquelas fotos. Esta avó, que nascera no século XIX, ouvira a
mãe dela contar algumas histórias sobre a escravidão, embora a bisavó narradora
provavelmente não tivesse sido escrava.
Conheci uma irmã de minha avó, creio
que mais velha, uma senhora negra, curvada, com um pano amarrado, escondendo os
cabelos, morava numa casa para idosos e usava uma bengala. Não conheci outras
pessoas da geração da minha avó em nossa família.
Minha avó, dona de casa, casou-se
com um funcionário público, já no início do século XX e minha mãe nasceu no
segundo decênio do século. Meu avô materno era fiscal aduaneiro, dirigia-se ao
porto da cidade quando ouvia o apito dos navios, para fiscalizar a bagagem. Várias décadas mais tarde eu ouvia o
mesmo som, do meu quarto, na mesma casa.
Meu pai era alfaiate. Saiu da casa
paterna, em Penedo, Alagoas, para aprender esse ofício em Aracaju, Sergipe. Meu
avô paterno era funcionário municipal e a avó, dona de casa. Meu pai precisou
passar por uma espécie de carreira, aprendendo a alinhavar, costurar e
arrematar com muito capricho as peças dos ternos. Depois de trabalhar alguns
anos para mestres alfaiates, no nordeste, mais tarde em São Paulo e depois em
Porto Alegre, finalmente foi promovido a desenhar moldes e cortar os ternos e
montou uma alfaiataria em Porto Alegre, quando já estava casado com minha mãe.
Fora apresentado a ela através de um
conterrâneo de meu avô, vizinho
na casa do qual meu pai estava morando. Assim, nasceu a família Silva naquela
cidade do sul, chefiada por um nordestino que estranhava o clima muito frio.
Minha mãe e a irmã dela, que não
conheci, eram professoras. Formaram-se no curso Normal na mesma escola em que
eu estudaria no ginásio – o Instituto de Educação. Creio que por isso duas
Silvas – eu e minha irmã – somos professoras, ela professora numa faculdade e
doutora em Literatura, eu professora de Língua Portuguesa, com especialização
em Literatura também. Meu irmão é engenheiro e trabalhou um tempo na Petrobrás,
onde encontrou uma linda Bibliotecária e com ela se casou. Mora em São Paulo,
onde criou uma empresa de Análise de Sistemas, depois de demitir-se da estatal em
que trabalhou. Minha irmã mais nova é
médica numa cidade do interior do Rio Grande do Sul. Todos nós estudamos em
colégios públicos e numa universidade pública.
Os netos de meus pais têm o
sobrenome Silva unido a outros sobrenomes – português, italiano ou russo. Estão
se formando ou já trabalham como professores (mais professores na família),
advogados, engenheiros, administradores e um deles é graduado em Comércio
Exterior. Já são os Silva Pereira, meus filhos , e meus sobrinhos Scurato Silva
e Silva Kieckow.
É a nova geração dos Silvas,
brasileiros como todos nós – Silvas, no passado e no presente.
Celina
Silva Pereira
A família Silva
Do baú do sótão
Surgem imagens do passado.
O avô que veio de norte a sul
Pelo Atlântico.
E se tornou funcionário
Atendendo aos apitos dos navios.
A avó que nasceu no
Ano seguinte à Abolição
E ouviu tristes histórias da mãe.
Na rua passa a tia avó Isolina
Com o pano na cabeça
E sua bengala.
Mora no asilo.
Imagens da turma de formatura
Da mãe professora e da tia
Que estudaram
No Instituto.
A menina cresce.
Do sonho da mãe professora
E do pai alfaiate –
Que também veio do norte.
E venceu a carreira do ofício –
Nasceram quatro filhos.
Duas são professoras,
Como a mãe.
Engenheiro e médica outros dois.
Netos e bisnetos surgem,
Com outros sonhos.
Família brasileira
Que se formou no sul.
Celina
Silva Pereira
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